Ela fazia o papel de forte e destemida.
Aguentava bem a vida e a vida tinha que aguentar com ela.
Fazia malabarismos com os azares e brincava ao esconde-esconde com os infortúnios.
Sobreviveu a isto e aquilo sem nunca esquecer as suas falas do guião.
Está tudo bem,
estou óptima.
Na maior parte das vezes era a actriz principal. Na maior parte das vezes, sim.
Porque apesar de saber que os filmes eras seus, houve alturas em que se colocou na sombra para deixar brilhar outros.
Nunca entrou no filme de ninguém a não ser uma breve participação num filme de categoria B.
Foi ao engano pois achava ser uma produção de Hollywood.
Até ao dia em que ela contracena com ele.
Até ao dia em que ela contracena com ele.
Ele é o ele e ele é o único, o maior, o que domina todas as técnicas de representação.
As falas, ela já as conhecia de cor,
Está tudo bem,
estou óptima.
Mas ele, o único, o maior, o que domina todas as técnicas de representação,
improvisou.
Substituiu o Ainda bem do guião por uma carícia no rosto, um olhar penetrante e um sorriso triste.
E ela, que nunca falhou uma fala, que sempre respondeu a todas as deixas,
E ela, que nunca falhou uma fala, que sempre respondeu a todas as deixas,
improvisou também.
Rasgou o guião, ignorou o enredo e subiu ao palco com um foco apontado para ela.
E contou-lhe uma história, duas histórias, muitas histórias,
cada uma em forma de lágrima
e cada lágrima depositada no colo dele.
E ele, só ele,
soube que cada choro silencioso era um azar que ela não agarrou
ou um infortúnio de que não se escondeu.
E só isso lhe bastou para ali ficar.
Não secou nenhuma lágrima mas limpou-as todas.
E talvez porque estivesse cansada das mesmas falas e das mesmas deixas,
a ela soube-lhe bem improvisar.
Afinal o filme era o da vida dela e era ela que tinha que escrever a sua história.
De resto,
Está tudo bem,
estou óptima.
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