É Natal, e tu não estás.
Dos cânticos que ecoam pelas ruas engalanadas,
desprende-se uma melancolia que me embala e aconchega os passos.
Aperto melhor o cachecol
e agasalho-te contra mim.
Rasando as montras,
imagino os presentes que te compraria se aqui estivesses:
esta caneta, para que assinasses o sim, quero,
ou aquele relógio, para que nunca te atrasasses quando viesses ao meu encontro.
Entro numa papelaria e pego num cartão de boas festas,
daqueles pirosos e estridentes,
com azevinhos garridos e os votos escritos em relevo,
numa letra encaracolada de copista, fina e pretensiosa.
Imagino-me a desejar-te mundos e fundos e tu,
a afugentares o fantasma dos natais futuros com um sorriso de agraciado, quando o lesses. Prevejo como, de seguida, me agarrarias a nuca e a cintura por detrás,
debruçando-me sobre o tampo por estrear da mesa marmoreada,
levantando-me o avental e baixando tudo o resto.
E de como o açúcar ao lume se agarraria para sempre às paredes do tacho, inutilizando-o,
as minhas mãos espalmando-se de gozo contra o azulejo recém-colocado,
o ainda cheiro a betume nas nossas narinas coladas.
Uma falha na calçada faz-me frente súbita e um velho de trinta anos,
sem dentes nem alma à vista, espreita-me de relance o voo,
absorto na contagem de algumas moedas pretas.
Componho os ossos em sobressalto e largo-lhe na mão suja o troco do cartão piroso,
que inclui um envelope de fímbria dourada, olha que sorte.
Do outro lado da cidade,
na cozinha renovada, repousam silenciosos os utensílios do Amor.
É Natal,
e tu não estás!...
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