Não, não acabou.
Gostava que tivesse acabado;
gostava de ter lavado de ti as minhas mãos e ponto final parágrafo,
mas dou por mim aqui, neste sítio contigo dissimulado dentro,
como uma arma com disfarce regateada na feira, das que nem parece que magoam.
Pestanejo e cá estou, jazente e escondida,
no único lugar onde sei que te tenho;
onde já te amei tantas vezes que enjoei o salitre do teu corpo;
e onde exorcizo a minha banal existência,
exagerando-te e ampliando-nos.
É por isto que preciso de continuar a querer-te
com a desmesura com que se quer nos filmes mudos,
e a escrever o arrebate das tragédias a preto e branco,
com grandes planos que são grandes demais e gestos de amor abruptos,
como saltos de insecto ou cortes inesperados na fita.
É aqui que te esqueço e repudio e me apaixono por ti uma e outra vez,
e onde às vezes mais não és do que uma lembrança antiga,
desbotada como um linho de avó, que me inspira ao tacto.
Aqui, prometo-te a eternidade adiada,
enquanto fazemos amor e as contas do IRS,
enquanto conferimos os dedos um do outro,
as brancas no cabelo e a lista do supermercado.
Aqui, deixamos o telefone tocar e a porta bater,
e eu engulo todos os sons que não sejam o das nossas respirações em dueto.
E esqueço-me de quem sou,
querendo-te para o resto da vida e mais um dia,
e dizendo-to avidamente à sombra da prateleira dos enlatados.
Por isso, não, não acabou:
estarei condenada,
parece, a voltar aqui,
a voltar a ti.
Tal como tu,
condenado a leres-me,
a leres-me sempre,
num impulso alcoviteiro
e a uma distância sem remédio.
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